Olá. Lhe contarei
toda a minha história, ou pelo menos tudo o que eu lembro.
Não me identificarei por enquanto, apenas aceitem-me como vosso humilde narrador.
O ano era 1995, dia 4
de fevereiro para ser mais exato. Eu havia me alistado a pouco tempo
para o esquadrão de exploradores. Enquanto não me chamavam eu
pensava em todos os outros que já haviam saído a explorar o
mundo... Tristes estatísticas, de todos que foram, nenhum voltou.
Nunca.
Nosso reino era
separado do resto do mundo por uma espécie de ponte... um túnel
aliás. Pensando melhor, como falar do que separava nosso reino se
você nem ao menos sabe o que era nosso reino, né?
Bom, nosso reino era
um local esférico, razoavelmente grande, era composto por uma única
cidade (nunca entendi o porquê de chamarem de reino), onde todos nós
vivíamos. Ao contrário de vocês da Terra, nós não eramos
envoltos por ar e sim por um líquido, mas isso nunca foi um
problema. Nós nos adaptamos a esse líquido, tirávamos dele nossos
nutrientes, e até nossos corpos evoluíram. Atrás de nós havia uma
especie de rabinho, quase como uma barbatana, que nos permitia ir de
um lugar á outro. Nós todos habitávamos essa cidadezinha, não
tínhamos casas pois não tínhamos bens, nem precisávamos
descansar. Não havia luz do sol, a luz era avermelhada e muito
fraca. Nosso tempo era gasto nos movimentando de um lado para outro,
socializando com os outros e nos exercitando. É, já deu pra
entender como era, agora já posso voltar a história... Onde parei?
Ah sim, vamos lá.
O túnel que separava
a nossa amada esfera do resto do mundo era escuro, apertado, e
desabitado, muitos diziam que quando se chegava ao fim, acabava o
chão, e que era impossível sobreviver a queda. Em geral o túnel se
mantinha fechado, mas cerca de uma vez por dia, as vezes menos ainda,
o túnel se abria, e os exploradores iam em sua expedição procurar
algo além de nosso conhecimento.
Naquele dia eu estava
preparado para sair na primeira expedição possível, e meus
pensamentos foram interrompidos por um alvoroço súbito, o túnel
havia se aberto, era minha chance, eu precisava ir. Parti em
disparada em direção a ele, e no caminho alguns outros foram se
juntando a mim, quando me dei conta eu estava na frente do esquadrão
inteiro. O clima era diferente do que eu esperava, ninguém se
ajudava, parecia mais uma disputa, todos se empurrando e tentando
passar os outros para trás. Eu realmente dei muita sorte aquele dia,
se não estivesse tão perto do túnel, acho que não conseguiria ter
mantido a dianteira. Quando cheguei ao fim do túnel minhas
esperanças se concretizaram, não havia um precipício, mas uma
outra espécie de túnel, um pouco maior, nesse momento reparei
também que estava sozinho, até hoje eu não sei para onde o resto
do esquadrão foi, mas isso não vem ao caso.
O novo túnel me levou
à um pequeno casulo, esférico e avermelhado, me lembrava nossa
cidadezinha, porém muito menor, um pouco maior que eu apenas... Ele
parecia me convidar para adentrá-lo, então eu o toquei, uma pequena
abertura se fez e eu passei. O local era perfeito pra mim, e parecia
que de alguma forma se comunicava comigo, era algo místico, uma
relação única entre dois seres, ali eu percebi que meu corpo e o
casulo estavam se tornando um só, mas a sensação era tão boa que
eu não conseguia nem ao menos sentir medo, apenas relaxava, até que
dormi. Acordei sentindo uma movimentação estranha, eu estava indo
para algum outro lugar, ainda estava dentro do casulo, mas conseguia
sentir como se fosse ele. Aliás, eu acho que nesse ponto nós dois
já havíamos nos tornado apenas um. Enfim cheguei ao destino, era um
salão, avermelhado (engraçado com tudo parecia ser avermelhado lá)
e grande, bem maior do que a cidade de onde eu havia saído. Eu
estava submerso em uma outra espécie de líquido. Nesse local eu
fiquei por dias, aliás, meses, até que percebi que além de eu e o
casulo sermos um, havia uma ligação entre nós e o salão, parecia
com um tubo, e aquilo nos mantinha vivos, não sei como, mas era por
aquilo que eu recebia a energia necessária para viver. Com o passar
do tempo eu fui crescendo, meu corpo se adaptou aquele lugar, eu não
era mais aquele ser que havia saído em expedição a alguns meses
atrás, eu estava bem maior, e algumas coisas novas apareciam em mim,
algo como membros a mais, porém fortes e com uma estrutura
diferente, e meu corpo parecia estar dividido de uma forma especial,
uma parte com membros e outra, um pouco menor, com várias pequenas
extensões, eram essas pequenas extensões que me faziam sentir o que
acontecia ao meu redor... Na verdade não fazia tanta diferença pois
o lugar, embora muito confortável era habitado apenas por mim, então
não tinha muito o que sentir. E se você acha que era ruim pela
solidão do lugar, eu digo para você, acredite, era maravilhoso, eu
nunca me sentia solitário, parecia que algo me cercava, uma presença
contínua, e fazia eu me sentir muito bem.
Eu sabia que aquilo
não duraria pra sempre, o salão estava começando a ficar apertado,
eu temia que o fim estivesse chegando, embora aquela presença me
confortasse. Um dia senti que algo estava errado, eu precisava sair
urgentemente, e parecia que tudo ao meu redor estava me ajudando,
havia uma pressão sob mim, e eu vi um novo portal se abrir, era
extremamente claro, e, por incrível que pareça, não era
avermelhado. Minha hora havia chegado, eu precisava sair dali, e
aquela presença que me acalmava parecia me chamar para ela, bastava
eu seguir a luz, então, com todas as minhas forças, saí daquele
lugar no qual passei tanto tempo. Atravessei o portal.
O mundo ao meu redor
era diferente, havia milhares de coisas espalhadas por ele, eu
conseguia ver muitas cores, cores que nunca havia visto antes, e eu
me sentia sujo, e com frio. Haviam também seres me olhando, seres
parecidos comigo, mas muito maiores, eu me senti indefeso e tentei me
comunicar, mas tudo o que saía eram alguns sons indefiníveis. Eu
estava a ponto de ter um ataque de medo quando senti algo me
acolhendo, era ela, aquela presença agora havia se materializado, e
estava me abraçando, nesse momento meus amigos, nesse momento, eu vi
que aquele não era meu fim, na verdade, aquele era apenas o começo
de tudo isso. A cerca de 16 anos e meio... Meu nascimento.